Sejamos amor contra o ódio


Desde muito cedo, assim como qualquer outro menino negro, tive que aprender a entender o racismo em nossa sociedade. No meu caso em especial, sou filho de mãe branca, descendente de alemães e pai negro. Minha mãe contava com muita angústia que o pai dela, meu avô, se negou a me conhecer e de fato, nunca fomos "apresentados". Agradeço aos meus pais que sempre me deixaram ciente e preparado para os diversos desafios que a vida me apresentaria. Não esconder ou fingir que a discriminação não existe foi o que me proporcionou enfrentar todos os desafios de frente.
O meu relato pessoal do início da década de 90 me faz compreender que hoje, em 2020, estamos vivenciando uma revolução que não é "apenas" pela morte de Floyd, apesar de sua morte gravada e exposta nas redes sociais tenha sido o estopim para um "grito de socorro" contido há séculos de exclusão. No Brasil, que não é diferente, também passou por um processo de negação da história, negação de direitos básicos como educação, saúde e trabalho digno que desencadeou em uma das maiores desigualdades do planeta. Aqui, falo com propriedade pois morei e estudei nos Estados Unidos, costumo dizer que aqui é mais difícil ainda de combater, pois negamos veementemente que nosso país é racista. Inclusive, uma recente pesquisa sobre o tema fez as seguintes perguntas:
- Você acha que no Brasil existe racismo? 90% dos entrevistados responderam que sim.
- Você se considera racista? Menos de 2% se considera racista.

Nesse sentido fica claro que o racismo no Brasil é velado, hipócrita e traiçoeiro porque ele te faz acreditar que não existe, que é coisa da "sua cabeça" que é "mimimi" o que torna seu combate muito mais difícil. Esse racismo é o que a academia chama de racismo estrutural e um dos colaterais do racismo estrutural é fazer com que a vítima se sinta culpada. Em termos práticos, é aquele emprego ou promoção que você não ganha, mesmo tendo consciência de que é o mais preparado, é exclusão dos negros dos espaços de poder, é aquela piada que todos riem, é aquele que diz que tem até amigos negros, que a empregada é negra ou que já até namorou negro/a, tudo isso acontecia também no regime escravocrata e nem por isso tornou a escravidão menos cruel.
As manifestações que tomaram as ruas de grandes capitais mm indo agora, além das redes sociais busca uma aceitação por parte das autoridades de que temos um problema a ser combatido e principalmente políticas de enfrentamento a questão racial. Afinal, ninguém cura um câncer for fingindo que ele não existe e o racismo é o câncer social não atacado em nossa sociedade.
Da experiência pessoal à coletiva, da Americana, Londrina, Francesa à Brasileira, o que se vê é um movimento multiracial. Pela primeira vez se vê uma mobilização que se torna maior que ela mesma. Estamos vendo a história acontecer, pode ser o início do fim de uma era de desigualdade social que todos serão beneficiados. Não deixe que o racismo estrutural enraizado no imaginário Brasileiro e a indiferença ao sofrimento negro de gerações te autorize a pedir que um negro pare de lutar com seus iguais por dignidade.
Sejamos “todos” amor contra o ódio que nos trouxe até esse momento.
@everton.gaide.escritor

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