Nunca foi sobre o Ayrton Senna


No último final de semana, organizei-me para “maratonar” a minissérie da Netflix que retrata a carreira e vida de Ayrton Senna. Só pelo trailer, já sabia que iria me emocionar. Porém, a ideia desta crônica não é dar spoilers sobre o que você verá na série, mas sim refletir sobre o contexto brasileiro daquela época, o pano de fundo que moldou o surgimento de um ídolo em um esporte nada popular e extremamente elitista em um país de terceiro mundo como o Brasil.

A construção de ídolos, independente da área, depende de inúmeros fatores. No caso de Ayrton Senna, o Brasil estava em um processo de redemocratização, ainda ferido pela ditadura militar. O principal esporte nacional, o futebol, havia frustrado a população nas Copas da década de 1980, mesmo com craques lendários como Zico, Sócrates, Casagrande, Falcão e Júnior. Foi nesse cenário de “síndrome de vira-lata” que surgiu o piloto que ousou desafiar a hegemonia eurocêntrica da Fórmula 1.

Com coragem, competência e resultados impressionantes logo em sua estreia, Senna se destacou, mas também enfrentou as consequências do favoritismo político da alta cúpula da FIA – Federação Internacional de Automobilismo. A preferência por pilotos europeus, especialmente pelo francês Alain Prost, já bicampeão mundial quando Senna chegou à McLaren, era evidente. Ainda assim, ele não se intimidou.



O Brasil, carente de ídolos e sedento por reconhecimento internacional, encontrava em Senna a esperança de ser visto e respeitado lá fora. Ver um compatriota erguendo a bandeira e ouvindo o hino nacional no topo do pódio, repetidamente, nos domingos transmitidos pela TV Globo, mobilizava pessoas de todos os cantos do país, de todas as idades e crenças. Não era apenas um piloto extraordinário competindo aos domingos; era um brasileiro que precisava se provar em cada treino, ultrapassagem e corrida.

Para Senna, não bastava ser campeão, bicampeão ou tricampeão. Não bastava ser o recordista de pole positions ou o mais rápido da pista. Ele era, acima de tudo, um brasileiro correndo contra tudo e todos, refletindo a realidade de milhões de pessoas do passado e do presente.

Assistir à série me emocionou e me fez lembrar: nunca foi sobre Ayrton Senna. Sempre foi sobre a luta e a resiliência do povo brasileiro.

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