Discriminação de negros no ambiente de trabalho

Os Africanos começaram a chegar ao Brasil em meados do séc. XVI a bordo de navios negreiros com o objetivo de servirem de mão de obra escrava nos canaviais brasileiros. Essa forma de sociedade (escravocrata) movimentou a economia brasileira por mais de três séculos. Um dado interessante é que o Brasil foi o último país na América a abolir (teoricamente/lei) a escravidão. Atualmente, 123 anos depois da lei Áurea o senso comum aponta para a existência da discriminação nas empresas brasileiras, fato que é confirmado em estudos especializados. Estes estudos constatam que as oportunidades de estudo e rendimentos, assim como de oportunidades de crescimento profissional nas organizações estão basicamente restritos aos brancos (Cacciamali, Hirata 2005). A reflexão subsequente não tem a intenção de fazer uma reprodução mecânica - já esgotada - de colocar a escravidão como única responsável pela discriminação no Brasil, sendo que essa foi uma forma de discriminação. Caso a escravidão fosse à única responsável, poderíamos entender que com o passar dos anos a discriminação automaticamente diminuísse.
 

 

Formas de uma discriminação à brasileira
A discriminação racial nas empresas e na sociedade brasileira não é um funcionamento exclusivo de determinadas regiões, pois mesmo em estados como São Paulo, onde pardos e negros constituem 28% da população, e na Bahia, onde essa proporção cresce para 77,9% (PNAD, 2002), não impede a predominância dos brancos em cargos superiores e com melhores salários. Um dado interessante é que em algumas pesquisas apontam que 87% dos brasileiros acreditam que existe discriminação no mercado de trabalho, no entanto apenas 10% da população assume a posição de discriminador (Cacciamali, Hirata 2005). Portanto o entendimento do preconceito racial no Brasil é algo que causa considerável conflito aos próprios atores sociais, de um lado os discriminadores que criam novas formas de discriminar sem entrar em conflito com as leis vigentes e com a sociedade hipocritamente não racista; por outro lado estão os discriminados que se apropriam de um discurso não racista e passam a acreditar que o sucesso profissional só depende deles próprios, esquecendo consciente ou inconscientemente de um contexto social discriminador. Fato que pode afetar a autoestima, limitar a possibilidade de autoconhecimento e identificação com a atividade, principalmente os jovens, fatores essenciais para o mercado de trabalho competitivo.
Sabe-se que o Brasil é um país autointitulado “miscigenado” e reconhecido mundialmente como tal, seria uma grande decepção reconhecer que no seu dia a dia é um País discriminador e preconceituoso. Com isso a sociedade mantém uma posição firme ao se afirmar “não racista” ao passo que o senso comum e o publico acadêmico comprovam exatamente o contrario. Causando uma ambivalência psicológica entre o que o indivíduo discriminador realmente sente e o que a sociedade permite que seja expresso.
Constatado que a sociedade brasileira é discriminatória, buscaremos entender o seus mecanismos de exclusão no campo profissional. Desde a desvalorização de candidatos não brancos durante o processo seletivo até a restrição no desenvolvimento de sua carreira. Para Cacciamali, Hirata (2005) mesmo quando pessoas negras apresentam atributos iguais, são valorizadas de forma distinta pelos empregadores ou pelos usuários de serviços, apenas em virtude da sua cor/raça, caracterizando a existência de preconceito que leva a uma discriminação direta.



Ausência de características positivas


O “jeitinho brasileiro” utilizado para velar a discriminação no mercado de trabalho e nas empresas Brasileiras nos leva a uma falsa ilusão do não preconceito racial em nosso País. O fato que mais contribua com isso talvez seja a não atribuições de características negativas aos negros (Camino, et al, 2000), ou seja, as pessoas buscam características positivas como “bons em atividades artísticas e esportivas”, “alegres e gentis”. Essa visão restrita – apesar de positiva da atuação do negro na sociedade – encobre o discurso de incapacidade intelectual, de construção e manutenção de bens por exemplo.
Com as informações acima, acredito que duas questões merecem uma atenção especial, que são:
1- Por que as atribuições positivas basicamente se restringem a atuações esportivas e artísticas?
2- Porque mesmo com as características de pessoas trabalhadores, alegres e gentis os negros não crescem profissionalmente dentro das organizações?

A primeira questão da conta de que as atividades a qual os negros se destacam não exigem um alto grau de escolaridade, sendo assim, depende mais da capacidade de se entregar a uma atividade diariamente na busca pelo aprimoramento de uma capacidade inerente ao ser humano. O esporte ou a atividade artística aparece como uma possibilidade de ascensão social (financeira) em uma sociedade em que os negros têm um acesso precário à educação (Camino, et al, 2000). No entanto é estarrecedor acreditar que mesmo quando fator educacional é superado (mesma condição escolar) os negros são valorizados de forma diferente (Cacciamali, Hirata, 2005).

Segundo ponto entra em discussão algumas premissas de administração de pessoal que parte da ideia de que atualmente as empresas buscam e priorizam por pessoas capazes de agregar ao grupo algo mais do que a formação especifica. São valorizadas competências como bom relacionamento, comprometimento, trabalho em equipe entre outros. Logo, se os negros, segundo pesquisas consultadas, “são trabalhadores, alegres e gentis” Camino, et al, (2000). Por que não tem, pelo menos a mesma ascensão profissional em comparação com o homem branco? A consequência da não ascensão profissional do negro culmina no aumentam as diferenças sociais, manutenção da escassez de oportunidades e diminuição do acesso à educação. Situação destacada por Cacciamali, Hirata (2005, p 772) afirmando que a diferença salarial do homem negro com relação ao homem branco cresce com o aumento da renda do primeiro (ascensão profissional), evidenciando que a obtenção de educação e a experiência (conclui) não são suficientes para dar fim à discriminação contra os negros.
 









Considerações finais


O mercado de trabalho e as organizações empresariais, repetindo o funcionamento da sociedade brasileira, mantêm um regime de discriminação racial. Em alguns momentos temos a falsa impressão da redução da discriminação, mas o que ocorre segundo Camino, et al, (2000) é que a discriminação racial assumiu novas formas sutis e camufladas de expressão. Também cabe salientar que em sociedades modernas – como o Brasil - em que os atos discriminatórios são proibidos por lei, a discriminação por raça ou cor da pele continua a se desenvolver. Concordo com *Olivia Santana ao afirmar que o negro ainda permanece em uma posição de filho bastardo de uma pátria-mãe pouco gentil, sem jamais usufruir do berço esplêndido reservado a um seleto grupo euro descendente. Entendo que vivemos um “apartheid” à brasileira, embalado a samba, sorrisos e tapinhas nas costas.



* Olívia Santana é pedagoga titulada pela Universidade Federal da Bahia e Coordenadora da UNEGRO

Bibliografia
CACIIAMALI. M. C, HIRATA. G. I. A influência da raça e do gênero na obtenção de renda – Uma analise da discriminação em mercados de trabalho distintos: Bahia e São Paulo. Est. Econ, São Paulo, V. 35, N. 4, P 767-795, outubro – dezembro 2005.
CAMINO. L, DA SILVA. P, MACHADO. A PEREIRA. C (2000). A face oculta do racismo no Brasil: Uma análise psicossociológica. Revista de psicologia política. Universidade federal da Paraíba: 13-36.
SANTANA. O. O negro e mercado de trabalho no Brasil: Quais as perspectivas em tempo de globalização? Universidade Federal da Bahia.

Comentários

Jama Libya disse…
1º)CARLOS DE ASSUMPÇÃO – O maior poeta negro da historia do Brasil autor do poema o PROTESTO Hino Nacional da luta da Consciência Negra Afro-brasileira, em celebração completou 87 anos de vida. CARLOS DE ASSUMPÇÃO nasceu 23 de maio de 1927 em Tiete-SP na sexta feira passada completou 87 anos de vida com sua família, amigos e nós da ORGANIZAÇÃO NEGRA NACIONAL QUILOMBO O. N. N. Q. FUNDADO 20/11/1970 (E diversas entidades e admiradores parabenizam o aniversario de 87 anos do mestre poeta negro Carlos Assumpção) tivemos a honra orgulho e satisfação de ligar para a histórica pessoa desejando felicidades, saúde e agradecer a Carlos de Assunpção pela sua obra gigante, em especial o poema o Protesto que para muitos é o maior e o mais significante poema dos afros brasileiros o Hino Nacional dos negros. “O Protesto” é o poema mais emblemático dos Afros Brasileiros e uns das América Negra, a escravidão em sua dor e as cicatrizes contemporâneas da inconsciência pragmática da alta sociedade permanente perversa no Poema “O Protesto” foi lançado 1958, na alegria do Brasil campeão de futebol, mas havia impropriedades e povo brasileiro era mal condicionado e hoje na Copa Mundial de Futebol no Brasil 2014 o poema “O Protesto” de Carlos de Assunpção está mais vivo com o povo na revolução para (Queda da Bas. Brasil.tilha) as manifestações reivindicatórias por justiça social econômica do povo brasileiro que desperta na reflexão do vivo protesto.
O mestre Milton Santos dizia os versos do Protesto e o discurso de Martin Luther King, Jr. em Washington, D.C., a capital dos Estados Unidos da América, em 28 de Agosto de 1963, após a Marcha para Washington. «I have a Dream» (Eu tenho um sonho) foram os dois maiores clamores pela liberdade, direitos, paz e justiça dos afros americanos. São centenas de jornalistas, críticos e intelectuais do Brasil e de todo mundo que elogia a (O Protesto) (Manifestação que é negra essência poderosa na transformação dos ideais do povo) obra enaltece com eloquência o divisor de águas inquestionável do racismo e cordialidade vigente do Brasil Mas a ditadura e o monopólio da mídia e manipulação das elites que dominam o Brasil censuram o poema Protesto de Carlos de Assunpção que é nosso protesto histórico e renasce e manifesta e congregam os negros e todos os oprimidos, injustiçados desta nação que faz a Copa do Mundo gastando bilhões para uma ilusão de um mês que poderá ser triste ou alegre para o povo brasileiro este mesmo que às vezes não tem ou economiza centavos para as necessidades básicas e até para sua sobrevivência e dos seus. No Brasil.

Jama Libya disse…


Poema Protesto de Carlos de Assunpção
Mesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar
Não pararei
Não pararei de gritar

Senhores
Eu fui enviado ao mundo
Para protestar
Mentiras ouropéis nada
Nada me fará calar

Senhores
Atrás do muro da noite
Sem que ninguém o perceba
Muitos dos meus ancestrais
Já mortos há muito tempo
Reúnem-se em minha casa
E nos pomos a conversar
Sobre coisas amargas
Sobre grilhões e correntes
Que no passado eram visíveis
Sobre grilhões e correntes
Que no presente são invisíveis
Invisíveis mas existentes
Nos braços no pensamento
Nos passos nos sonhos na vida
De cada um dos que vivem
Juntos comigo enjeitados da Pátria

Senhores
O sangue dos meus avós
Que corre nas minhas veias
São gritos de rebeldia

Um dia talvez alguém perguntará
Comovido ante meu sofrimento
Quem é que esta gritando
Quem é que lamenta assim
Quem é

E eu responderei
Sou eu irmão
Irmão tu me desconheces
Sou eu aquele que se tornara
Vitima dos homens
Sou eu aquele que sendo homem
Foi vendido pelos homens
Em leilões em praça pública
Que foi vendido ou trocado
Como instrumento qualquer
Sou eu aquele que plantara
Os canaviais e cafezais
E os regou com suor e sangue
Aquele que sustentou
Sobre os ombros negros e fortes
O progresso do País
O que sofrera mil torturas
O que chorara inutilmente
O que dera tudo o que tinha
E hoje em dia não tem nada
Mas hoje grito não é
Pelo que já se passou
Que se passou é passado
Meu coração já perdoou
Hoje grito meu irmão
É porque depois de tudo
A justiça não chegou

Sou eu quem grita sou eu
O enganado no passado
Preterido no presente
Sou eu quem grita sou eu
Sou eu meu irmão aquele
Que viveu na prisão
Que trabalhou na prisão
Que sofreu na prisão
Para que fosse construído
O alicerce da nação
O alicerce da nação
Tem as pedras dos meus braços
Tem a cal das minhas lágrima
Por isso a nação é triste
É muito grande mas triste
É entre tanta gente triste
Irmão sou eu o mais triste

A minha história é contada
Com tintas de amargura
Um dia sob ovações e rosas de alegria
Jogaram-me de repente
Da prisão em que me achava
Para uma prisão mais ampla
Foi um cavalo de Tróia
A liberdade que me deram
Havia serpentes futuras
Sob o manto do entusiasmo
Um dia jogaram-me de repente
Como bagaços de cana
Como palhas de café
Como coisa imprestável
Que não servia mais pra nada
Um dia jogaram-me de repente
Nas sarjetas da rua do desamparo
Sob ovações e rosas de alegria

Sempre sonhara com a liberdade
Mas a liberdade que me deram
Foi mais ilusão que liberdade

Irmão sou eu quem grita
Eu tenho fortes razões
Irmão sou eu quem grita
Tenho mais necessidade
De gritar que de respirar
Mas irmão fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minh'alma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Ou alcanço tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar.

Organização Negra Nacional Quilombo ONNQ 20/11/1970 –quilombonnq@bol.com.br

Everton Gaide disse…
Olá, Jama Libya
Adorei o seu comentário pois esta muito bem alinhado com o pensamento do movimento negro em nosso País. O poema dispensa comentário, simplesmente, maravilhoso e de uma sensibilidade impar.
Espero que tenha gostado do meu blog e que eu possa contar com suas leituras e comentários por muito tempo.
Abraço negro!