O menino que cuidava cavalos

Acompanhando uma série de mudanças sociais uma família deixa o interior do Rio Grande do Sul para tentar a vida na capital, Porto Alegre. Um dos integrantes dessa família se chamava João. João era um guri de 14 anos que em sua cidade era muito conhecido por ser boleiro, mas na sua rua/escola também se destacava por sua inteligência e seu amor pelos cavalos, sonhava em ser Veterinário. Passava dias inteiros em cima do lombo dos seus matungos. Todavia, toda essa história havia ficado para trás, nada disso fazia sentido ou agregava em sua história. Agora, na cidade após a ponte do Guaíba, ele tornara-se apenas mais um vindo do interior na selva de pedra.
Por adorar cavalos e conhecer a lida campeira, foi convidado por um amigo a trabalhar no Jóquei Club, de pronto aceitou e com certa felicidade, já que era alucinado por cavalos. Alguns meses se passaram e o prazer de estar ao lado que animais que tanto amava deu lugar a um imenso cansaço e insatisfação. Sua desmotivação era clara e diariamente pensava:
- Não passarei a minha vida inteira fazendo isso. Eu quero mais, muito mais.
Dia após dia e na sua vida nada mudava apenas a imensa vontade de voltar a fazer coisas que sempre amou e que lhe conferiam respeito e admiração. Para uma criança de 14 ou 15 anos jogar futebol e estudar deveria ser algo cotidiano, mas na vida do João, o sonho de uma vida melhor acabara ao entrar no jóquei. Contudo na vida nada é permanente, alguma coisa deveria acontecer para que aquele menino pudesse dar uma virada em sua vida. Apesar da pouca idade, já carregava alto grau de maturidade e senso de responsabilidade. Era independente da família e ainda os auxiliava monetariamente.
Um mês, dois meses.....11 meses se passaram até que teve o desprazer de conhecer Fabricio, filho do seu chefe. Esse guri que tinha a mesma idade de João estava em Porto Alegre passando suas férias escolares. No segundo dia de férias, Fabricio foi até João que estava ajeitando seus cavalos e perguntou:
- Você que é o João? -Sim, sou eu, responde.
- Por que você trabalha aqui? - Vim para capital há pouco tempo e preciso trabalhar para continuar estudando.
João, apesar do trabalho duro, nunca deixara de estudar e de ser um menino sonhador...
- Estudar para que? Você cuida de cavalos e para isso não precisa estudar. Você não precisa estudar. Eu preciso estudar, pois serei advogado!
João ficou extremamente triste com aquelas palavras, mas “bom cabrito não berra” como dizia seu pai. Ficou em silêncio e concluiu que ali não ficaria mais. Dito e feito, no dia seguinte pegou suas coisas e partiu.
 
O mundo continuou girando como ordem natural e imutável. Nunca mais vira o tal de Fabrício, nem mesmo voltara ao jóquei. Aliás, voltar pra que? Um ano, dois anos, dez, vinte anos se passaram e agora Fabricio era o Advogado que sonhava se tornar. Seguiu direitinho todas as convenções sociais. Uma diferença entre os caminhos de João e Fabricio é que Fabricio se esquecera da presença de João na sua vida, mas João jamais esquecera a de Fabricio, menos ainda suas palavras. Inclusive Fabricio ostentava fama de grosseiro e arrogante por onde passava. Mas entre uma volta e outra que esse mundo dá, o destino cruzou novamente os caminhos daqueles guris de outrora. Fabricio sofrera um acidente de carro e estava no pré-cirúrgico de um hospital. Apesar dos ferimentos encontrava-se consciente, tão consciente que já havia insultado uma série de enfermeiras e ninguém mais do hospital suportava a sua prepotência e irritação. Nesse momento chega o médico/cirurgião que lideraria a equipe naquela cirurgia. Esse médico era o João. No mesmo instante Fabricio, achando aquela pessoa familiar, pergunta:
- Doutor! Não nos conhecemos de algum lugar?
- Sou o menino que cuidava Cavalos.

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