Paulo
e Marcelo, estudaram juntos desde o primeiro ano do ensino fundamental em uma
escola particular com altamente conteudista e tradicional por aprovar muitos
alunos nos cursos dos vestibulares mais concorridos do país. Apesar das
aparentes semelhanças, Paulo e Marcelo tem histórias familiares muito
diferentes. Paulo é filho de um casal de médicos, seu pai veio do interior do estado
e sua família detém investe na pecuária a mais de 3 gerações. Sua mãe, também
médica é da cidade, é originária de uma família de imigrantes alemães que
chegaram ao Brasil em meados do século IX e receberam lotes para se
estabelecerem em nosso país, com isso, as ultimas 3 gerações investem em
imóveis, fazendo com que o patrimônio da família continuasse a crescer. Por
outro lado, a origem de Marcelo é de operários, sua mãe é cozinheira em um
restaurante, seus pais tinham uma pequena pensão que sobreviveu por quase 40
anos, até o mercado imobiliário se transformar ao ponto que as pensões deixaram
de ser uma opção diante da enorme demanda de pequenos imóveis. O pai de Marcelo
é porteiro da escola em que os meninos estudam, fato que facilitou a conquista
de uma bolsa de estudos para o filho, a qual depositam todos os seus desejos
profissionais. O pai de Marcelo vem do interior, filho de algumas gerações de
lavradores que optou por migrar para a
cidade nos anos 80 em busca de melhores condições de vida que encontrou. Ambas
as famílias são de pessoas honestas e que trabalham muitas horas semanais e
compartilham do desejo de oferecer a melhor qualidade de ensino para os filhos.
Ao
longo dos últimos 12 anos, Paulo e Marcelo se tornaram muito próximos, amigos
de verdade e sempre que possível estudavam juntos, faziam trabalhos em grupo,
se visitavam. Viveram grandes momentos juntos, dividiram angustias inerentes da
adolescência, seus amores e dissabores. O terceirão
chegou e o assunto principal, assim como o foco é a carreira profissional que
cada um escolheu para si, tanto Paulo quanto Marcelo desejam ser médicos, sonho
apoiado pelas famílias, para a de Paulo é a continuação de uma habilidade
familiar, para Marcelo é a possibilidade de realização de 3 ou 4 gerações. Os
amigos estão empolgados e confiantes, pois nos simulados da escola eram sempre
os primeiros colocados, inclusive essa sempre foi regra entre os dois ao longo
dos anos na escola fundamental e média. Mesmo sem necessidade, Paulo precisou
fazer curso pré-vestibular por imposição dos pais, já a família de Marcelo não
teria como pagar, por isso não fez.
Chegou
o dia “D”, agora é o vestibular e eles se inscreveram em duas universidades,
uma pública (mais conceituada) e outra privada que era para fazer um treino de
luxo para a Federal e, no caso do Paulo, se não conseguisse aprovação na
federal cursaria na particular mesmo para não perder mais um ano. O resultado,
por óbvio, foi a aprovação dos dois nas duas seleções. Comemoraram juntos e
beberam muito naquela noite. Para a família de Paulo, o filho cumpriu sua parte
no “acordo”, para a família de Marcelo e para o próprio jovem era uma mistura
de céu e inferno, pois sabiam que no dia seguinte a aprovação à viabilização
dos seus estudos seria uma estratégia de guerra.
Marcelo
e família avaliaram as duas possibilidades:
1-
Estudar medicina na universidade particular
custaria aproximadamente 10 salários mínimos mensais, os pais dele juntos
ganhavam 3,5 bruto, mesmo que Marcelo realizasse alguns trabalhos nas poucas
horas vagas, conseguiria mais 1 salario. Excluída essa alternativa.
2-
Estudar na federal exigiria dedicação integral,
Marcelo teria que ir morar na capital e subsidiar alimentação, material
didático, entre outros. Custo médio mensal, 4 salários mínimos mensais.
A
família se uniu e contrariou a matemática, resolveram se mudar para a capital
para viabilizarem os estudos de Marcelo que logo perdeu contato com Paulo que
optou por estudar na universidade particular por ficar mais próximo da família.
Dez
anos se passaram e os amigos se reencontraram num hospital da capital e num
café contaram um ao outro as suas trajetórias até aquele dia. Paulo falou dos
desafios e noites acordadas estudando e o quanto sentiu falta do amigo. Marcelo,
por sua vez contou dos desafios do primeiro ano de medicina e sua frustração ao
ter que abandonar o curso quando o pai ficou desempregado e ele precisou
assumir as contas da casa ao lado da mãe para manter a dignidade da família.
Falou que estava tranquilo e compreendia todo o esforço do pai que havia
falecido a dois anos de “tristeza”.
Despediram-se
com o afeto de sempre, Paulo voltou às pressas para o bloco cirúrgico realizar
uma cirurgia de urgência e Marcelo reassumiu seu turno na portaria do hospital, sem tristeza, sem qualquer ressentimento, apenas com a convicção de ter dado o máximo de si.
Desafiar
a matemática é fácil, difícil é vencer a lei da selva!
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