Vidas pretas

Ali, um corpo preto sem vida no chão; olha Lá, outro negro, dizem que tinha passagens;
Outro cá, mais um negrão; mais um cadáver de preto na reportagem.
Vidas pretas, negros sem valor; a barbárie que é justificada;
 “Agatha, estava no lugar errado; Cauã não era santo, olhe a roupa dele, o piercing, o cabelo, o tênis, o celular, o perfil nas redes sociais, com quem andava; onde vivia”.
 Foi morto por engano, parecia muito com o traficante “X”, usava um black power, era alto e magro, talvez não tão alto, nem tão black power. Mas, é melhor atirar antes, chicotear antes, trancar os carros antes, esperar o próximo elevador, atravessar a rua, afinal se não reagisse ele poderia me assaltar?
 Talvez amanhã ou depois eu mesmo seja “confundido” com um criminoso, afinal sou negro, cabelos raspados e às vezes uso barba. Sou o estereótipo do criminoso nesse pandemônio chamado Brasil. A defesa é simples e sempre igual, basta dizer que estava em confronto e que foi um engano de 80 tiros ou apenas 1, pedir desculpas e seguir.  Não farei falta nenhuma a este modelo de sociedade, farei falta aos meus 3 filhos que insisto em educar pelos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade.
Hoje estou com ódio, ódio de ser impotente diante de uma realidade cruel onde eu, meus irmãos, minhas filhas e meus amigos são o alvo, mais cedo ou mais tarde algum segurança, policial, GM, cidadão de bem acertará, por engano e sem intensão de matar.
Depois do social liberalismo cristão da bala, ainda virá o excludente de ilicitude...
Vidas pretas, negros sem valor; a barbárie que é justificada.

Publicada no jornal Toda Hora do dia 28/09/19

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